terça-feira, 29 de abril de 2014

A banana e a hipocrisia midiática.

Assunto do momento: a ação racista da torcida de um time espanhol contra o brasileiro Dani Alves, e sua resposta oportunista e sagaz à ofensa, o que acabou tornando-se uma espécie de tapa na cara de seus agressores.

Quanto a Dani Alves, nada a acrescentar senão um parabéns pela atitude, de uma virtuosidade e inteligência ímpar. Comendo a banana arremessada pelo aficionado, o jogador saiu do estado “mimimi” para outro muito maior, onde respondeu à altura a agressão sem ao menos levantar um dedo ou o tom de voz.

Obviamente que não se pode ver oportunismo ou marketing na atitude tomada pelo atleta, e dois motivos explicam isso: a) o ato de racismo provavelmente foi premeditado pelo agressor, nunca pelo agredido, e sob esse aspecto a ação de Dani Alves notoriamente foi inédita e improvisada; 2) o risco corrido que o atleta correu ao comer a banana, que poderia estar envenenada por alguma substância. Quem arriscaria sua saúde naquela situação de forma pensada? Acredito que ninguém

No entanto, fato aliás que não me surpreendeu, uma série de celebridades (ou pseudo-celebridades) postaram milhares de gigabites de fotos com bananas em riste, mostrando “apoio” a atitude do brasileiro. Páginas de sites e redes sociais ficaram infestadas de fotos da fruta tropical, algo similar ao que aconteceu pouco tempo atrás com a história do #nãomerecoserestuprada.

Ocorre que no meu modo de entender isso soa muito mais como uma forma de se aproveitar da situação para auto promoção do que qualquer outra coisa. E não falo isso por questões étnicas ou sociais, mas simplesmente porque o brasileiro adora promover-se em cima da desgraça alheia.

Todas as milhares de fotos postadas nas redes sociais, com ou sem banana, comendo a fruta ou a empunhando como uma espada ou troféu, só demonstram quão oportunismos somos diante das polêmicas. Podemos equiparar esse fato a qualquer fatalidade do dia-a-dia, na qual ao invés de ajudarmos em primeiro lugar, filmamos para jogar na web (ou capitalizar vendendo para algum órgão de imprensa).

Todavia, vivemos em meio à tal “liberdade de expressão”, e esta é tida como o arauto da sociedade contemporânea. E baseando-se nisso, é permitido que até mesmo o aproveitamento oculto ocorra sem que ninguém seja tachado por isso. Agora, colocados à prova não contra bananas, mas contra situações de seus cotidianos, todas essas “celebridades” agiriam diferentemente?

Isto serve como reflexão, não só para o caso específico de Dani Alves, mas para todas as outras oportunidades onde a mídia e os midiáticos expressam suas opiniões, sabendo que estas terão um alcance fenomenal.


Infelizmente a sociedade vem transformando-me cada vez em uma pessoa mais cética sobre seus propósitos, o que acaba tornando-me cada vez mais incrédulo às suas boas intenções, ainda mais daqueles que não passam pelas dificuldades que negros, pobres e excluídos da sociedade passam diariamente. 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O Marco Civil.

Para não escrever muitas besteiras, resolvi ler o Projeto de Lei 21/2014, que trata do Marco Civil da Internet. Já aprovado pela Câmara e Senado, hoje (23.04) o referido Projeto foi sancionado pela Presidente Dilma Rousseff, sem a exclusão de nenhum dos artigos votados anteriormente.

Sobre o conteúdo, o Projeto apresenta pontos positivos e negativos, os quais já foram amplamente expostos pelos veículos de comunicação. No entanto, existe uma situação que chama a atenção quando se faz uma leitura um pouco mais detalhada: a Seção III, que trata da responsabilidade de danos decorrentes de conteúdo gerados por terceiros.

Vou trazer a redação abaixo para que todos tirem suas próprias conclusões:

Seção III
Da Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros

Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1º. A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica d conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
§2º. A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.
§ 3º. As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade bem como sobre a indisposição desses conteúdos por provedores de aplicações de internet poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
§ 4º. O juiz, inclusive no procedimento previsto no §3º, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Inicialmente, o artigo 18 do Projeto cita que os provedores de internet não serão culpados por conteúdo gerado por terceiros, o que é sem dúvida ótimo. Não faz o mínimo sentido que o cedente do espaço para publicações de terceiros seja responsabilizado por um conteúdo irresponsável postado por qualquer um dos seus usuários.

No entanto, o artigo 19 traz uma redação no mínimo perigosa, principalmente em seus §§ 3º e 4º, pois é ali que o Projeto abre exceções para as possibilidades em que os provedores de internet sejam responsabilizados pelos conteúdos publicados, principalmente em caso de descumprimento de decisão judicial que requeira a exclusão do material considerado ofensivo por terceiro. 

O perigo está na possibilidade da utilização de juizados especiais por qualquer um que se sinta prejudicado, e que este solicite a exclusão de qualquer material publicado na internet. Juizados Especiais são utilizados para causas de valores de no máximo até 20 salários mínimos, sendo que nessa instância, o requerente pode fazer o pedido diretamente ao juiz, sem maiores burocracias. E acordo com o § 4º, o juiz pode inclusive decretar a tutela antecipada ao pedido, ou seja, o material alvo da discussão pode ser retirado da internet antes mesmo que a parte requerida se manifeste.

Agora pergunto: estamos em época de pré-eleições. A julgar pelos vínculos escusos entre políticos e juízes, que é fato notório não de hoje, parágrafos como os 3º e 4º do art. 19 podem efetivamente beneficiar determinados políticos, com a possibilidade de exclusão quase que imediata de materiais que possam ser considerados prejudiciais às suas imagem. E aí, como ficamos?

Não estamos falando de valores de indenizações ou coisas correlatas, estamos falando simplesmente de exclusão rápida e eficaz de material lícito, mas que de alguma forma possa prejudicar a imagem de determinado político interessado nas próximas eleições.

Será esse o motivo de tanta pressa para a aprovação do Marco Civil? Sinceramente, é de se espantar a celeridade que o Senado deu para a votação desse Projeto de Lei. A justificativa da apresentação do conteúdo em um congresso realizado em São Paulo não convence muito, ainda mais em se tratando do atual governo, mergulhado atualmente em um mar de acusações sem fim.

Seja como for, sem dúvida o Marco Civil é um divisor de águas para a internet no Brasil. Agora, se trará mais benefícios ou malefícios para os usuários, somente o tempo e os interesses dirão.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Sabedoria.

Lendo a obra O mínimo que você precisa para não ser idiota, de Olavo de Carvalho, confesso que já me senti idiota pelo menos umas cem vezes desde o primeiro capítulo. Está certo que não cheguei nem 1/6 do livro, mas ainda assim já percebo ocorrer uma metanoia em alguns pensamentos meus, os quais até então eram verdades absolutas.

Encerrando um dos capítulos que trata da pobreza, e de como a sociedade contribui para a criação das classes excluídas, lembrei-me de um fato que aconteceu faz pouco tempo próximo de onde trabalho, no bairro Batel, em Curitiba.

Por alguns dias um morador de rua constituiu morada embaixo a marquise de um prédio entre a Rua Coronel Dulcídio e Avenida Sete de Setembro (foto). E durante todo esse tempo o cidadão em questão acabou fazendo parte não só de nossa rotina, mas um pouco da paisagem do local, completamente antagônica à sua condição momentânea.

No entanto, existia algo que diferenciava esse homem das tantas outras pessoas que se encontravam - ou se encontram - nas mesmas dificuldades: a extrema organização de seus pertences. E não se engane achando que eram apenas a roupa do corpo e meia dúzia de outras mudas de camisas e calças, pois ele possuía muito mais pertences, como por exemplo uma cadeira, uma cômoda, além de coisas de menor tamanho e valor.

Só para que se tenha uma ideia do que estamos falando, todos os dias, impreterivelmente, seu colchão era arrumado pela manhã, seu entorno era varrido para dar um aspecto de limpeza, sem contar as cobertas, todas dobradas com um cuidado ímpar. Para quem presenciou o dia-a-dia daquele homem, era impossível passar indiferente ante aquela cena.

O próprio cidadão, que provavelmente foi vítima do destino, sempre que aparecia estava limpo e com as roupas do corpo igualmente apresentáveis, e em nada aparentava aquela condição. Se passasse andando na rua por qualquer um que não o tivesse visto ainda, com certeza não levantaria suspeita sobre sua situação.

Infelizmente a minha timidez não permitiu a tempo que lhe apertasse a mão e o parabenizasse pelo cidadão que mostrava ser, pois a vida reservou algo melhor para aquele homem. Segundo consta, um desconhecido assistiu uma reportagem sobre o tal morador de rua sensibilizou-se e o retirou dali, dando-lhe um trabalho, e acima de tudo, devolvendo-lhe a dignidade ora furtada pelo acaso.

Porém, em minha memória nunca sumiu a imagem daquele homem e do seu cuidado com suas coisas, sobretudo agora que estou lendo o livro que citei no início desse texto. Essa é a prova de que talvez nós como sociedade devamos refletir um pouco sobre o que somos e o que fazemos, e mais do que isso, as consequências que nossos atos podem causar ao próximo, ainda que involuntariamente.

Transformar pessoas hoje em situações sub-humanas em um fardo que o Estado deva carregar e suportar pode não ser a melhor solução para o problema. É necessário que tenhamos consciência de que é nossa responsabilidade também nos movermos para melhorar a vida de quem já não tem mais esperança na vida, nas pessoas, ou nas instituições.


Quanto ao cidadão dessa narrativa, só tenho uma coisa a dizer: obrigado. Mesmo sem ter tido o prazer de poder conhece-lo, acredito que deixou na vida dos que perceberam sua presença uma lição de honra e sabedoria, que nenhum dinheiro, reconhecimento pessoal ou status pode comprar.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Desolador.

Como de costume , hoje pela manhã fui a panificadora tomar um café com leite e comer um pão com manteiga quente, e enquanto aguardava meu pedido tomei um jornal local que estava em cima da mesa e comecei a ler as notícias do dia. Confesso a vocês, chega a ser desolador a quantidade de novidades negativas que envolvem a política e o judiciário nacional, em todos os seus escalões. 

São tantos maus exemplos vindos da política e do judiciário, como nos casos do Mensalão (petista e tucano), da compra da refinaria de Pasadena/EUA pela Petrobrás, e em menor escala, como a volta temporária de Fábio Camargo ao conselho do Tribunal de Contas do Paraná por decisão do ministro do STF Gilmar Mendes, que o cidadão de bem, ainda que não possua o claro entendimento dos fatos, acaba se desiludindo diante de tantas situações que afrontam o que se entende por correto.

O último episódio que chegou aos olhos da população é o envolvimento do deputado federal André Vargas, do PT paranaense, com o doleiro Alberto Youssef, em um jogo de troca de favores e dinheiro entre as partes.  Não bastando a gravidade da relação entre as partes, o nobre deputado usa-se de artimanhas legais, afastando-se do atual mandato na Câmara dos Deputados, e dependendo onde a situação acabe, renunciando ao mesmo. Isso sem contar que ainda goza de foro privilegiado, podendo ser julgado somente pelo STF.

Quem depende da justiça brasileira sabe que para um processo chegar ao STF o caminho é longo, muito longo. São tantos instrumentos jurídicos protelatórios, que para o leigo o único sentimento que se gera é de indignação por não ter tratamento igual ao do ilustre deputado. E se pensarmos que atualmente uma boa parte dos atuais Ministros do STF foram escolhidos pelo próprio PT, temos o direito de projetar que o ilustre deputado eventualmente possa ter algum tipo de favorecimento em seu julgamento, caso ele ocorra.

Na verdade, o que precisamos entender é que o problema não está somente nas consequências jurídicas e eventuais injustiças que podem ocorrer durante o julgamento de André Vargas, até porque corrupção não tem sigla, carteirinha ou convicção partidária. O problema é muito mais amplo que isso, envolve a falta de respeito ao próximo (eleitor), a falta de moral, de caráter e vergonha na cara daqueles que representam o povo, o qual é igualmente culpado e cúmplice desses políticos, pois os elegem, e depois de quatro anos os reelegem .

É tão natural um político vir a público e levantar dúvidas sobre acusações oferecidas por órgãos importantes da estrutura pública brasileira, como os Tribunais de Contas, Polícias Federal/Estadual/Civil, promotores, e marginalizar as investigações que os referidos órgãos realizam, rebaixando todo o trabalho investigativo à perseguições políticas dos adversários, que no final vê-se que o problema é muito mais amplo do que se imagina.

Na verdade, um pouco do que assistimos no Palácio do Planalto é o que somos no dia-a-dia. Nossa visão se limita somente a acusar, e não a refletirmos se em algum momento não estamos agindo igual aos nossos representantes, ainda que em menores proporções. Pior ainda são os que pouco se importam, porque aí sim o caminho fica livre para que a corrupção impere. 

No final, a desolação popular talvez não deva ser somente contra a classe que a representa, mas também deva ser uma boa parte consigo, pois comprova ser incapaz de mudar não só o meio, mas a si mesmo.