quinta-feira, 10 de abril de 2014

Sabedoria.

Lendo a obra O mínimo que você precisa para não ser idiota, de Olavo de Carvalho, confesso que já me senti idiota pelo menos umas cem vezes desde o primeiro capítulo. Está certo que não cheguei nem 1/6 do livro, mas ainda assim já percebo ocorrer uma metanoia em alguns pensamentos meus, os quais até então eram verdades absolutas.

Encerrando um dos capítulos que trata da pobreza, e de como a sociedade contribui para a criação das classes excluídas, lembrei-me de um fato que aconteceu faz pouco tempo próximo de onde trabalho, no bairro Batel, em Curitiba.

Por alguns dias um morador de rua constituiu morada embaixo a marquise de um prédio entre a Rua Coronel Dulcídio e Avenida Sete de Setembro (foto). E durante todo esse tempo o cidadão em questão acabou fazendo parte não só de nossa rotina, mas um pouco da paisagem do local, completamente antagônica à sua condição momentânea.

No entanto, existia algo que diferenciava esse homem das tantas outras pessoas que se encontravam - ou se encontram - nas mesmas dificuldades: a extrema organização de seus pertences. E não se engane achando que eram apenas a roupa do corpo e meia dúzia de outras mudas de camisas e calças, pois ele possuía muito mais pertences, como por exemplo uma cadeira, uma cômoda, além de coisas de menor tamanho e valor.

Só para que se tenha uma ideia do que estamos falando, todos os dias, impreterivelmente, seu colchão era arrumado pela manhã, seu entorno era varrido para dar um aspecto de limpeza, sem contar as cobertas, todas dobradas com um cuidado ímpar. Para quem presenciou o dia-a-dia daquele homem, era impossível passar indiferente ante aquela cena.

O próprio cidadão, que provavelmente foi vítima do destino, sempre que aparecia estava limpo e com as roupas do corpo igualmente apresentáveis, e em nada aparentava aquela condição. Se passasse andando na rua por qualquer um que não o tivesse visto ainda, com certeza não levantaria suspeita sobre sua situação.

Infelizmente a minha timidez não permitiu a tempo que lhe apertasse a mão e o parabenizasse pelo cidadão que mostrava ser, pois a vida reservou algo melhor para aquele homem. Segundo consta, um desconhecido assistiu uma reportagem sobre o tal morador de rua sensibilizou-se e o retirou dali, dando-lhe um trabalho, e acima de tudo, devolvendo-lhe a dignidade ora furtada pelo acaso.

Porém, em minha memória nunca sumiu a imagem daquele homem e do seu cuidado com suas coisas, sobretudo agora que estou lendo o livro que citei no início desse texto. Essa é a prova de que talvez nós como sociedade devamos refletir um pouco sobre o que somos e o que fazemos, e mais do que isso, as consequências que nossos atos podem causar ao próximo, ainda que involuntariamente.

Transformar pessoas hoje em situações sub-humanas em um fardo que o Estado deva carregar e suportar pode não ser a melhor solução para o problema. É necessário que tenhamos consciência de que é nossa responsabilidade também nos movermos para melhorar a vida de quem já não tem mais esperança na vida, nas pessoas, ou nas instituições.


Quanto ao cidadão dessa narrativa, só tenho uma coisa a dizer: obrigado. Mesmo sem ter tido o prazer de poder conhece-lo, acredito que deixou na vida dos que perceberam sua presença uma lição de honra e sabedoria, que nenhum dinheiro, reconhecimento pessoal ou status pode comprar.

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